quarta-feira, 12 de setembro de 2012

O mundo a ser revisitado que Monteiro Lobato criou


Somos tão traumatizados pela censura dos anos passados, quando a ignorância e o autoritarismo mandava prender Moliere, que a qualquer semelhança com  restrição já saímos bradando pela tal  “liberdade de expressão”. Com isso, acabamos aceitando outros arbitrarismos  e terríveis perseguições. Uma pena. Mas é assim que se vive, ou, que, pelo menos, ao que parece, concordamos em viver no momento.

Recentemente, por maquiavelismo, ignorância, pressa ou incompetência, uma manchete  induziu as pessoas a pensarem que o livro “Caçadas de Pedrinho” de Monteiro Lobato, pai de todos nós escritores para crianças, estaria sendo censurado. Não estranhei pois já falo sobre isso há mais de 20 anos em palestras e conferências.  Também não  entrarei no mérito da verdade pois já foi muito bem  contada aqui(http://www.brasilianasorg.com.br/blog/luisnassif/a-falsa-polemica-do-cne-e-monteiro-lobato). Ih! Abaixo-assinados, gritos e brigas  entraram em cena na internet (não sei se no asfalto também, ando longe da vida urbana) Imagino que essas pessoas, também por pressa (afinal, quem lê tanta notícia? Já dizia Caetano) ignorância, princípio de defesa de toda e qualquer liberdade,  ou sentimento de classe, cada uma por um motivo  embarcaram na dúbia manchete.

Mas, o que realmente me apavorou foi o fato , se  verdadeiro, do Ministro da Educação afirmar que” não vê racismo no livro” . Dá medo. O livro caçadas de Pedrinho termina com a seguinte frase: “ Tenha paciência- dizia a boa criatura. Agora chegou minha vez. Negro também é gente, Sinhá..” Acho que ela não se referia apenas ao privilégio de andar em cima do lombo do pacato gramático rinoceronte Quindim.  Seria subestimar  Lobato  considerando-o  ingênuo ou alienado, não concordam?

Sim, a “boa criatura” é a Tia Nastácia. Ao longo do livro o narrador usa as seguintes expressões ao falar sobre ela: negra, a boa negra, a preta, a pobre negra. Pobre negra é a sua predileta.  A personagem Emília,  neste livro, diz que" as onças vão comer até Tia Nastácia que tem carne preta."  E  ela não é corrigida, coisa que ocorre quase  sempre que abre sua torneirinha de asneira. Mas isso é fala de boneca de pano. Já o próprio narrador descreve a situação da chegada das onças assim:.” Tia Natácia, esquecida de seus numerosos reumatismos, trepou, que nem uma macaca de carvão, pelo mastro de São Pedro......”

Reumatismos sim, afinal, Tia Nastácia tem 70 anos e ainda é a empregada do sítio. Alguém estranharia o fato da professora esclarecer aos alunos que foi  na década de 70 que  empregados domésticos começaram a ter direitos trabalhistas?
Ora,  ao longo dos livros infantis  do autor a perícia culinária da Tia Nastácia é cantada em prosa e verso! Seus bolinhos alimentaram São Jorge na lua, seu cafezinho, segundo ela mesma, “tem visgo”, quem prova não quer mais sair do sítio, e outras tantas guloseimas. No entanto, o livro de culinária mais famoso há décadas ( do qual sou a mais feliz  recente ganhadora) se chama “  Dona Benta”, logo da “velha” que, ao que se saiba, nunca entrou na cozinha para amornar uma água. Vá entender.
Sinto a necessidade de esclarecer esses pontos pois tenho certeza de que Monteiro Lobato  seja muito mais incensado do que lido. Dezenas de pessoas  entre seus 30 e 40 anos que enaltecem o autor, duvide-o-dó que tenham lido a obra.  Talvez um único livro, certamente viram a adaptação televisiva. Mas ler tudinho como fiz e tantos da minha geração? Raro. Tanto é que, ao serem perguntados sobre quais outros livros que adoravam na infância ficam ah.. é... ah.. é... Quem leu Monteiro Lobato  e gostou certamente leu e vibrou com outros livros, pois, se assim não fosse, sua missão teria sido um fracasso.
Ah! E não  apenas expressões racistas a respeito de negros, caro Ministro, Emília é tratada pelo autor como uma pessoa prática pois  “ciganinha como era costumava tirar partido de tudo”, isto é, ganhar vantagens, presentes, dinheiro. O grifo  é meu.

Jovem,quando eu era pequena, não estranhava o tratamento dado à Tia Nastácia, sabe porquê? Na minha casa a cozinheira também era uma senhora negra que vivia na cozinha e pitava cachimbo e falava errado e eu, como Narizinho, ajudava a catar feijão.(No livro, tia Nastácia fala felomeno , em vez de fenômeno, e outras  diferenças)  Caso quisesse ver TV junto com a família, ficava à porta da sala sentada em um banquinho sem encosto. Na minha casa e na maioria das casas. Tirava folga dois domingos ao mês, recebia a metade do salário mínimo e não tinha férias.  Jovem, a canção de carnaval era “ o seu cabelo não nega mulata porque és mulata na cor, mas como a cor não pega , mulata, mulata quero o seu amor” e o samba” ai meu deus que bom seria que voltasse a escravidão eu pegava a essa mulata e prendia no meu coração  e depois a pretoria que resolvia a questão” .É isso  o que queremos na nossa sociedade?É este o mundo em que vivemos hoje? Faz sentido? Mesmo sendo divertidos, românticos sambas? É isso o que nós queremos tocando nas rádios, sendo cantados nas nossas escolas?  Você sabia que um diretor de um colégio em 1971 proibiu de uma negra ir de cabelo solto ao colégio porque atrapalhava a visão dos alunos? Agora já sabe, jovem. Se chegou até aqui não tem mais desculpa.

Então, ninguém acharia nada demais que o Conselho de Educação recomendasse a contextualização histórica   de Geografia de Dona Benta explicando que o estado de Mato Grosso não é mais aquele ou que a população do mundo mudou e até aproveitasse para  mostrar os movimentos sócio-políticos do mundo. No entanto, gritam se falam em recomendar a contextualização histórica no que tange o racismo. Assustador. Ao que parece, a conselheira , apesar de ter comido mosca na primeira distribuição,  está ciente do que pode acontecer em uma sala de aula se um aluno começar a ofender o outro de “negra beiçuda”, como Emília constantemente o faz ao longo dos livros, ou “macaca de carvão”. É crime e a professora vai ter de assumir as conseqüências.

A prova de que  a conselheira está certa  é ver como tantos leram a notícia por alto ou sem refletir , ou mesmo concordam com a discriminação. É dinheiro do contribuinte gasto em compras de livros.  E livro é para ser lido e não pra ficar enfeitando estante . Em geral,quano se fala em adoção de livros,  a leitura daquele livro  é obrigatória e cobrada em provas e testes.. Quem é que está verdadeiramente bem preparado para separar uma briga entre dois alunos porque um chamou o outro de " macaco de carvão"? (vá explicar que foi elogioso, pois mostra como é ágil)  Bem, o assunto não terminou,nem suas derivações, mas o tempo para ler , imagino, já. Então, como diz o Rei Roberto:
" quantas vezes eu tentei falar que no mundo não há mais lugar para quem toma decisões na vida sem pensar” 
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domingo, 9 de setembro de 2012

Livro bom

"Cannery Row é um poema, um mau cheiro, um rangido, um tipo de luz, uma cor, um hábito, uma nostalgia, um sonho."

Pronto! já me ajeitei na poltrona feliz. Um livro que começa com essa frase já me promete um tempo de felicidade. 
Sabe quando a gente encontra uma nota de dinheiro em um bolso de casaco e fica muito feliz? Esse livro foi assim. Estava na estante juntamente com uns 5 do mesmo autor. Dele, tinha lidoAs Vinhas da Ira e o Diario de viagem. Não me entusiasmei. Ah! mas já vou começar Doce quinta feira!

Sou uma dependente de livros. Quando criança ou jovem lia de tudo. De M.Deli a Dostoievsky sem critério. Agora ando exigentíssima. 

Em primeiro lugar quanto à temática. Se o livro é violento, mau e escatológico , out! Não quero saber. Aos 18 anos eu tinha tudo a aprender. Hoje, aos 57, também tenho mas essa parte eu já aprendi. 
Em segundo, o estilo.
Não sei qual o pior, se o estilo best-seller, sim, pois se o livro vende muito pode estar certo que é ruim. É bom pra indústria, pra editora e pro autor mas não é bom pra formação de leitores nem pro mundo. Simplesmente porque é impossível atingir tanto auma jovem carioca,quanto a um seringueiro no Amazonas quanto a um monge do Tibet. É impossível. Como é impossível um best-seller, em geral, atinge toda a classe média , a burguesia do mundo. Logo, é ruim. Como dizia Nelson Rodrigues, a unanimidade é burra. Um desses best sellers que tentei ler pois segundo uma pessoa a autora era maravilhosa começava assim: a marcha indolente do velho chevrolet.. AAAA! Morte a todas marchas indolentes!!! Sucata aos velhso chevrolets!!! 
Pode ser que um best seller seja um bom entretenimento, mas só isso. Assim, entre eles, recomendo o best seller Irwing Wallace, por exemplo. Ele pega um tema controverso e envolve numa trama no melhor estilo americano. E você se distraiu durante uns meses. 
Esse tipo de best-seller é melhor do que o pretenso literário. Pois ele não te engana. Você compra o que ele promete, aventura e romance! 

Ah.. mas há certas coisas que não são imitáveis. E o gênio é uma dessas coisas. Ele é pra você usufruir mas não para você se inspirar nele. Na nossa música temos, por exemplo, Jorge Benjor. Um gênio. Só ele pode fazer o que ele faz. Só Jorge Benjor pode falar em uma canção
"Essa gravata é o relatório
De harmonia de coisas belas
É um jardim suspenso
Dependurado no pescoço
De um homem simpático e feliz
Feliz, feliz porque... com aquela gravata"

Qualquer outro que o imite ou seja inspirado por ele é pseudo. Guimarães Rosa na literatura é assim: o gênio. Aí um mundo de gente vê isso e quer ser igual!! Ó céus! e engana outro mundo de gente e aí, meu amigo, não tem mais jeito. 

Há um autor estrangeiro incensado, lá fui eu lê-lo. Tava na cara que ele tinha lido o nosso Guimarães e queria ser igual. Aí ficava enganando os trouxas e deve ser infeliz, pois certamente sabe que não chega aos pés do mestre e nunca chegará. Temos muitos assim na nossa literatura. Fazem mal à humanidade. Principalmente nos dias atuais quando editoração é um business. Não se trata mais de literatura e sim de negócios. Os próprios editores ficam confusos quanto à literatura.

Assim, quando eu peguei esse livro foi uma bênção! 
É meu gênero de livro, quando não há um único personagem cuja saga somos convidados a seguir e sim tudo é personagem. Da casa, ao cachorro, do homem à mulher à criança à doença e à alegria. 
Uma rua. Seus habitantes. 
O editor o critica, diz que o Steinbeck idealiza e ele está errado. 
Daria um grande filme! mas, pelo que li, o filme que foi feito foi horrível e faria o autor se revirar no túmulo. 

O autor desnuda a América, claro. Ele não se engana. E nos oferece o verdadeiro americano do dia a dia de maneira magistral.
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Recentemente assisti a Rubens Figueredo em uma entrevista com a filha do Rubem Fonseca, Beatriz Fonseca. Ah! comprei todos os livros dele depois disso. Aguardo chegarem. 
Ele pensa como eu! Disse literalmente: livros que vendem muito não podem ser críticos, pois pertencem ao sistema. Não são bons para desenvolver o hábito da leitura, para a leitura.


sábado, 1 de setembro de 2012

Apesar de você- um tico de Chico

 

Vocês, crianças, têm idéia do que significou pra todo mundo a proibição da canção do Chico Buarque "Apesar de Você"? Bem, antes de mais nada é preciso lembrar que Chico Buarque, antes de ser escritor jabutizado , era compositor (re re) e , ainda, que, quando falo todo mundo , falo de um Brasil com a metade da população de hoje, e com os mesmos 5% recebendo o equivalente a mais de 2 mil reais por mês. Sendo que com uma diferença: menos do que isso tinha TV. Então, por todo mundo entenda-se um pequeno grupo de brasileiros que tinha TV. 

A juventude tinha sido inventada há uma década, sim, porque os jovens foram inventados nos anos 50. Antes disso, existiam crianças de calças curtas ou adultos de calças compridas. Foi em 1954 que o rock nasceu, e junto com ele , a juventude. Em 55 os jovens se afirmam com a existência de Elvis e James Dean. Aí, música e roupas para jovens são criadas. A indústria percebe que filão maravilhoso era a juventude com seus milk-shakes, cuba-libres, casacos de couros, blusões de universidade americanas, rabo de cavalos.. 

Pera lá, eu tava falando do Chico Buarque! Pois bem, dez anos depois , Roberto Carlos lança Quero que vá tudo pro inferno!  canção que o Rei hoje renega e que foi um furor. Ora, ano seguinte à "redentora", num tempo em que ninguém falava palavrão, ( o primeiro palavrão dito na TV,que a tirou do ar, pois era TV ao vivo, foi dito pela atriz que até recentemente interpretava o papel cômico de Dona Catifunda) cantar aos berros que tudo mais vá pro inferno era ou não era pra virar hino? 

Bem, mas aí, surge um outro jovem: Chico Buarque de Holanda. Ele vem, tímido, fumando feito um louco (como se fumava! ) de terno, e canta a genial Banda, ensinando que uma canção podia começar com essa frase fantástica estava à tôa na vida  e Chico com seus olhos verdes virou, segundo Nelson Rodrigues, o genro que os pais queriam; o namorado que a moça queria; o amigo que os rapazes queriam. O gênio de Nelson Rodrigues que havia cunhado a frase "tôda unanimidade é burra"se rende pra dizer que Chico Buarque era a única exceção à esta regra. E Millor afirma que Chico era a única unanimidade nacional.

Chico foi logo etiquetado como o novo Noel . Ainda sem se entender, foi garoto propaganda, junto com Wilson Simonal, do MUG, um boneco extremamente feio mas.. atire a primeira pedra quem tem mais de 40 e não teve um mug! Mas logo se recuperou. E Chico foi participar do programa coqueluche da população ( que tal esse coqueluche? ;-)))Essa Noite se Improvisa, comandado por Blota Júnior. Chico era o predileto! Sabia todas as palavras, era imbatível! Carlos Imperial penava, mas Chico..( lembro especialmente de um dia em que a palavra era  gajo e Chico aciona a campanhia e começa a cantar Tourada de Madrid inteirinha, e uma estrofe perfeita com a palavar gajo. Pronto, ganhou os pontos! Tudo inventado por ele! ) Chico inventava as canções na hora.. como lidar com um gênio?

Como ? Quem também participava da farra era a famosérrima cantora de Carcará, Maria Bethania, com seus cabelos presos, saia curtérrima e nariz fenomenal. E ela leva seu desconhecido irmão Caetano pra participar. Pronto! Chico ganhou um rival à sua altura!

E Caetano não ficou só no Essa Noite se Improvisa. Quando a gente viu, ele e Gil falavam de coisas como Tropicalismo, onde ritmos brasileiros se misturavam a guitarras elétricas num visual psicodélico, e, engraçado, é que no ano anterior, Elis, Gil, Edu Lobo tinham se metido numa passeata contra a guitarra elétrica! O que me faz não resistir a um lugar comum com ar de sábia: nada como um dia após o outro...

Começavam a achar que Chico tinha perdido o pé da história. Ele foi vaiado ao receber o prêmio no FIC por Sabiá, mas tinha sido o criador da nada bem comportada Roda Viva. Bem, mas eu comecei a falar do Apesar de Você. Após 100 mil cópias do compacto simples vendidas ( qual era o lado B? *) alguém se deu conta que Apesar de você não se tratava de uma briga de namorados, e sim de uma canção com um subtítulo que poderia ser Carta ao Presidente. 
Cheguei ao colégio, Colégio Estadual Pedro Álvares Cabral, e, na porta, um garoto do grêmio dizia que tinha compactos da canção para vender.. E o medo de ser pego? Olhei para os lados com receio de alguém ter ouvido a conversa, entrei com o coração aos pulos no portão de ferro, garagem do prédio Angel Ramires. 

Mas Chico foi além, a ponto de Jaguar dizer que , como ninguém podia fazer nada contra a ditadura, só nos restava colocar um disco do Chico na vitrola e ficar repetindo: -Dá-lhe, Chico! 

E ,já que se ele espirrava censuravam, foi embora, e voltou, e cada vez melhor. 

Chico devia ser matéria obrigatória nos colégios, suas letras são .. qual o melhor adjetivo? Surpreendentes? Geniais? Fantásticas? E são tão indubitavelmente maravilhosas, que minha última aula, minha despedida, de Desenho Artístico na FAU, foi sobre Chico Buarque, que desistiu da profissão de arquiteto (assim como Jobim, Herbert Vianna , Billy Blanco entre outros) para mostrar aos alunos o que era arte numa linguagem talvez mais fácil para eles. 

Criança, você já prestou atenção na letra de Corrente? Já leu duas vezes a letra, sendo que a segunda vez sem ler o primeiro verso? 
Criança, você já prestou atenção na letra de A Rosa? A frase em que ele diz Egípcia, me encontra e me vira a cara Como é que alguém pode lembrar uma maravilha dessas ? Lembrar da arte egípcia, da lei da frontalidade,  pra falar de uma mulher! E o chamar de Roberto? É entusiasmante!
E a letra de Flor da idade? Além de terminar com o poema Quadrilha de Drummond, o genial Chico arruma rimas únicas, tirando letra erre das palavras: rima dama e dRama;copo e coRpofesta e fResta e tudo com propriedade! 

Ah, Chico, apesar de você ter parado de compor no mesmo ritmo, a gente continua se maravilhando! 
* Lado B.. os discos tinham Lado A e Lado B.  Colocava-se o disco na vitrola e,ao terminar, havia que se tirar e colocar o verso,  o outro lado. Em geral, os compactos , discos com uma ou duas canções em cada lado, tinham no lado A a canção mais importante. Alguns casos deram errado.. Gil, por exemplo, em seu compacto que lançou Eu só quero um Xodó, trazia essa canção  Dominguinhos no lado B.. e..qual era o lado A mesmo?